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..:: Introdução do livro "Passageiro para Frankfurt" ::.. |
Fala a autora:
A primeira pergunta que se faz a um escritor, pessoalmente ou pelo correio, é:
- Aonde o senhor vai buscar suas idéias?
É muito grande a tentação de responder assim: - "Sempre vou à Sears", ou "A maior parte eu consigo nos armazéns da Marinha e do Exército", ou, energicamente - "Por que não tenta um supermercado?".
A opinião universal parece acreditar firmemente na existência de uma fonte mágica de idéias que os escritores aprenderam a utilizar.
Na pior das hipóteses, podemos enviar os perguntadores de volta aos tempos elizabetanos, com esta saída de Shakespeare:
Diga-me onde nasce a fantasia,
Se é no coração ou na cabeça,
Como se origina, como se alimenta?
Responda, responda.
A pessoa só pode dizer com firmeza:
- Na minha própria cabeça.
Isto, é claro, não vai ajudar ninguém. Se você gostou da cara de quem lhe está fazendo a pergunta, vai um pouco mais longe.
- Se você se sentiu atraído por alguma idéia em particular e acha que pode fazer alguma a partir dali, você a vira pelo avesso, faz travessuras com ela, abranda-a e, gradualmente, lhe dá uma forma. Então, é lógico, precisa começar a escrevê-la. Não é tão fácil quanto você está pensando: - torna-se um trabalho duro. Outra alternativa é arquivá-la cuidadosamente numa gaveta, para talvez usá-la dentro de um ano ou dois.
Uma segunda pergunta - ou quase uma afirmação - é então a mais provável:
- Eu creio que a senhora tira suas personagens da vida real.
A resposta é uma negativa indignada para tão monstruosa sugestão.
- Não, é claro que não! Eu as invento. Eles são meus. Têm de ser as minhas personagens - fazendo o que eu quero que eles façam, sendo o que eu quero que eles sejam - tornando-se vivos para mim, tendo às vezes as suas próprias idéias, apenas porque eu as tornei reais.
Em resumo, o autor produz as suas próprias idéias e as suas personagens. Mas aparece agora uma terceira necessidade - o ambiente. As duas primeiras vêm de fontes internas mas a terceira vem de fora, precisa estar lá, à espera,existindo realmente. Você não o inventa - ele está ali - é real.
Talvez você tenha chegado de um passeio pelo Nilo, lembra-se de tudo - exatamente o cenário de que necessita para esta história particular. Fez uma refeição num café em Chelsea. Havia uma briga por perto - uma garota puxou o cabelo de uma outra. Excelente princípio para o próximo livro que vai começar. Você viajou pelo Orient Express. Que divertido fazer dele o cenário para a próxima trama que está imaginando! Você vai tomar chá com uma amiga. Quando chega lá, o irmão dela fecha um livro que está lendo, joga-o de lado e diz: - "Não é mau, mas por que diabos não perguntaram ao Evans?".
Imediatamente você decide que vai escrever um livro com este título - "Por que não perguntaram ao Evans?".
Você ainda não sabe quem vai ser o Evans. Não tem importância. Evans aparecerá quando chegar a hora - é o título que está pronto.
Logo, você não inventa os ambientes. Eles estão à sua volta, em torno de você, existem - você tem apenas de estender a mão, apanhá-los e escolher. Um trem de ferro, um hospital, um hotel de Londres, uma praia do Caribe, uma cidadezinha do interior, uma festa, uma escola de meninas.
Apenas uma coisa conta - eles precisam estar ali - na realidade. Pessoas verdadeiras, lugares verdadeiros. Um local bem definido no tempo e no espaço. É preciso ser aqui e ser agora - senão como você vai conseguir saber de tudo? A não ser pela própria evidência de seus olhos e seus ouvidos? A resposta é assustadoramente simples.
É o que a imprensa lhe dá todos os dias, em seu jornal matutino sob o nome geral de '"Notícias". Pegue as da primeira página. Que está acontecendo no mundo de hoje? Que é que cada um está dizendo, pensando, fazendo? Levante um espelho e veja a Inglaterra em 1970.
Olhe para as manchetes todos os dias durante um mês, tome notas, considere-as e classifique-as.
Todos os dias há um crime.
Uma moça estrangulada.
Uma mulher idosa atacada e roubada em suas magras economias.
Rapazes e meninos - atacando ou sendo atacados.
Edifícios e cabinas telefônicas arrebentadas e estripadas.
Contrabando de drogas.
Crianças desaparecidas e corpos de crianças assassinadas encontrados perto das casas onde moravam.
Isto pode ser a Inglaterra? A Inglaterra é realmente assim? A gente sente - não - ainda não, mas pode ser assim.
O terror está despertando - o terror do que pode vir a acontecer. Não somente por causa dos acontecimentos atuais, mas também pelas possíveis causas que estão por detrás deles. Algumas você conhece, outras não, mas sente. E não apenas em nosso próprio país. Há pequenos parágrafos em outras páginas - trazendo notícias da Europa, da Ásia das Américas - notícias de todo o mundo.
Seqüestro de aviões.
Raptos.
Violência.
Desordens.
Ódio.
Anarquia.- cada vez maior.
Tudo parece levar-nos a adorar a destruição, a ter prazer na crueldade.
Que significa tudo isso? Uma frase do passado ecoa, falando da Vida:
... é uma lenda
Contada por um idiota, cheia de sons e de fúria,
Que não significa nada.
E, no entanto, você sabe - por seus próprios conhecimentos - quanta bondade existe ainda no mundo de hoje: as generosidades feitas, a bondade de um coração, os atos de compaixão, a ajuda entre vizinhos, as boas ações de meninos e meninas.
Então, por que esta fantástica atmosfera dos fatos cotidianos - das coisas que acontecem - e que são os fatos verdadeiros?
Para se escrever uma história neste ano da Graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1970, você precisa estar enfronhada em seu ambiente. Se o ambiente é fantástico, então a história precisa aceitar o seu cenário. Precisa, igualmente, ser uma fantasia - uma extravagância. A montagem precisa incluir os fatos fantásticos da vida de hoje.
Consideremos uma causa extravagante? Uma campanha secreta para tomar o Poder? Poderia um desejo maníaco de destruição criar um mundo novo? Alguém poderia dar um passo à frente e sugerir uma libertação por meios absurdos?
Nada é impossível, a ciência já nos ensinou isso.
Esta história, em sua essência, é uma fantasia. Não pretende ser nada mais do que isto.
Mas a maior parte das coisas que acontecem nela estão acontecendo ou prometendo que irão acontecer no mundo de hoje.
Não é uma história impossível - é apenas uma história fantástica.
Agatha Christie
Enviado à mailing por Guilherme em 22-08-2003
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