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..:: Por que Agatha Christie sumiu? ::..

24/11/2006
Valor Econômico - por Joana Calmon

Agatha se apresentou como Teresa Neele, o sobrenome da amante de seu marido, num hotel de Harrogate e foi vista tomando chá e lendo. Ao longo dos últimos 80 anos, os admiradores de Agatha Christie (1890-1976) viveram intrigados com um mistério que a própria escritora nunca conseguiu desvendar: as razões por trás de seu famigerado desaparecimento. Em dezembro de 1926, seu automóvel foi encontrado abandonado na beira de um lago, a alguns quilômetros da casa onde morava, sem qualquer bilhete ou vestígio que indicasse seu paradeiro. Durante dez dias, o caso mobilizou a polícia britânica e ocupou as primeiras páginas dos principais jornais do país e do mundo. Chegou-se a especular que ela havia sido assassinada pelo marido infiel, Archie Christie. Mas, depois de buscas intensas, os investigadores encontraram a "rainha do crime" sã e salva, hospedada em um hotel de luxo.

Desde então, muita gente tenta explicar o que de fato aconteceu. A versão oficial apresentada pela família na época foi de que Agatha Christie havia perdido a memória depois de um acidente de automóvel. Alguns acreditavam que tudo não passava de uma jogada de marketing para aumentar ainda mais as vendas de seus livros - no mesmo ano, ela havia lançado a obra-prima "O Assassinato de Roger Ackroyd". Outros falavam em tentativa de vingança pela traição de seu marido, que estava tendo um caso com uma mulher mais nova. Teorias plausíveis, mas que nunca foram consideradas conclusivas.

Neste ano, em que se celebram 30 anos da morte da autora, um médico inglês garante ter encontrado a solução definitiva para o enigma de Agatha. Andrew Norman, que acaba de lançar uma biografia da autora, "The Finished Portrait" (O retrato acabado), traz uma conclusão científica para um dos mais célebres casos policiais da história - real.

Deprimida com a morte da mãe e o casamento em crise, Agatha teria atirado o carro contra uma árvore. Com o choque, sem memória, abandonou o carro Norman explica que, quando foi encontrada, Agatha apresentava os sintomas típicos de um fenômeno chamado "estado de fuga", ou, em termos técnicos, um transe psicogênico, causado por um grande trauma ou depressão. Em situações como essa, a vítima sofre de amnésia e cria uma nova identidade. Foi o que aconteceu, provavelmente, com o ator inglês Stephen Fry ("Wilde"), que em 1995 viajou para Bruges, na Bélgica, sem avisar ninguém. Recentemente, Fry admitiu que, antes de desaparecer, tentou se matar.

Segundo Norman, o sumiço de Agatha também ocorreu depois de uma tentativa de suicídio. Deprimida com a morte da mãe e desesperada com a crise no casamento, a escritora teria atirado o carro contra uma árvore. No choque, teria batido com a cabeça e perdido a memória. Em seguida, pegado sua bolsa e saído do automóvel, deixando seu casaco de pele para trás, andado até a estação ferroviária e tomado um trem com destino a um hotel - uma espécie de retiro - na cidade de Harrogate, no norte da Inglaterra. Ao chegar, teria se apresentado como Teresa Neele, justamente o mesmo sobrenome da amante de seu marido, Nancy Neele.

Durante a estada na hospedaria de luxo, Agatha foi vista tomando chazinhos na maior tranqüilidade e lendo as notícias sobre seu sumiço, aparentemente, sem se dar conta de que a vítima em questão era ela mesma. Ela também interagiu normalmente com os outros hóspedes e até dançou e cantou com a banda que tocava no bar do hotel.

"As pessoas em estado de fuga não têm noção do que está acontecendo e se comportam com naturalidade. Como não se lembram de muitas coisas, são levadas a inventar histórias e criar um novo personagem", explicou Norman ao Valor, por telefone, de sua residência, no sul da Inglaterra. E acrescentou: "Agatha dizia que era sul-africana e contava para todo mundo que voltaria em breve para a Cidade do Cabo. Ela provavelmente lera um folheto turístico ou uma propaganda sobre a África do Sul e imaginou que vinha de lá".

Enquanto a escritora se divertia na hospedaria, a família se desesperava e o governo da Grã Bretanha pressionava para que a polícia concluísse o caso o mais rapidamente possível. Até o consagrado escritor Arthur Conan Doyle (1859-1930), criador de Sherlock Holmes, tentou ajudar nas investigações. Doyle, que tinha um lado místico, chegou a levar uma luva de Agatha deixada em seu carro a um médium, para uma análise espiritual. Outra escritora de romances policiais, Dorothy L. Sayers (1893-1957), visitou o local do desaparecimento à procura de algumas pistas. Não descobriu nada, mas usou o cenário em seu livro "Unnatural Death".

Com tanto alvoroço em torno do sumiço, o interesse da população pelo suspense aumentava a cada dia. Os britânicos passaram a devorar os jornais como quem lê um livro de Agatha Christie: loucos para chegar ao final e descobrir logo quem cometeu o crime. Além de assassinato, falava-se muito em rapto e suicídio. Mas quando o paradeiro da escritora foi enfim descoberto, a pergunta deixou de ser "quem?" e passou a ser "por quê?".

Agatha Christie foi encontrada depois que um dos integrantes do grupo musical que animava as noites do hotel reconheceu a escritora numa foto. Ele ligou para a polícia, que trouxe Archie Christie para fazer o reconhecimento. Quando ele chegou ao lobby, Agatha não reconheceu o marido, confundindo-o com seu irmão. Ao ver uma foto de sua única filha, Rosalind, que usava cabelos curtos, pensou que se tratava um filho homem.

Todos esses fatos, relatados por funcionários do hotel, parentes e amigos, além de entrevistas a jornais dadas pela própria escritora, levaram Andrew Norman a definir a condição psiquiátrica que afetou a "rainha do crime" durante o período de 11 dias em que esteve desaparecida. Mas, para o médico e escritor, o principal indício, ou a chave do enigma, como ele descreve, foi o livro "The Unfinished Portrait", que Agatha publicou sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Uma obra que Norman considera mais autobiográfica do que sua própria autobiografia.

"Ela conta a história de sua vida pela personagem Celia, que pensa em suicídio após ser abandonada pelo marido", disse o autor. "Esse comportamento suicida se desenvolveu quando Archie revelou sua infidelidade e pediu o divórcio. Para Agatha, ter uma família feliz era seu grande sonho de infância. Ver esse sonho desmoronar foi algo que ela não pôde suportar."

Enquanto a família se preocupava, os cidadãos britânicos passaram a acompanhar o caso e devoravam os jornais como quem lia um romance de Agatha Christie, ansiosos para chegar ao final e desvendar aquela história repleta de mistério O choque emocional foi tão forte que Agatha Christie nunca se recuperou totalmente dele. "Embora tenha continuado a escrever divinamente, ela teve falhas de memória até o fim da vida. Não conseguia se lembrar de muitas coisas de seu passado. Tempos depois do ocorrido, um médico mostrou a bolsa que ela estava usando na época, cheia de objetos pessoais, e ela não reconheceu", afirmou o autor.

Atormentada pelo problema, Agatha e sua família foram atrás dos melhores especialistas da Europa em busca de ajuda psiquiátrica. Mas, na época, os médicos não tinham conhecimento suficiente para entender as razões do sumiço e de seu comportamento. Só mais tarde, com os avanços da medicina, surgiram elementos capazes de ajudar a desvendar o enigma.

Ainda assim, nas últimas décadas, estudiosos do mundo inteiro continuaram tentando solucionar o mistério sem sucesso. Dezenas de livros e artigos foram publicados sobre o assunto. Andrew Norman parece ter sido o primeiro a conseguir encontrar respostas para cada elemento do caso, sem cair em contradição. Seu segredo? "Fui o único a associar o sumiço ao livro de Mary Westmacott. Analisei o quadro psicológico de Agatha Christie por meio da sua personagem Celia. Ninguém fez isso antes."

Só é pena que a charada tenha sido resolvida tão tarde. Agatha Christie, autora das histórias de detetive mais lidas do planeta, nunca conseguiu desvendar seu maior mistério: aquele que ela mesma protagonizou. A escritora passou anos de sua vida tentando achar a solução para o enigma, mas morreu antes de chegar ao último capítulo.

Esse universo pessoal de Agatha Mary Clarissa Miller, que tinha a Inglaterra dos anos 1920, com sua estrutura social rígida da era pós-vitoriana, serviu para ambientar vários capítulos de seus romances policiais. Suas histórias valorizavam a nobreza e o bom sobrenome e os detalhes de decoração nos ambientes descritos.

Agatha só não vendeu mais edições do que a Bíblia e o escritor William Shakespeare (1564-1616). Foram 1 bilhão de cópias em inglês e outro bilhão em mais de cem línguas diferentes. Ao todo, ela escreveu 80 romances e coleções de pequenas histórias, além de seis obras escritas sob o pseudônimo de Mary Westmacott. Alguns de seus livros resultaram em filmes clássicos, como "Assassinato no Expresso Oriente" (Sidney Lumet). Sua peça "A Ratoeira" (1952) é recordista mundial em número de apresentações - foram 8.862 num só teatro.

Ao ser localizada em Harrogate, depois que um músico do hotel a reconheceu e telefonou para a polícia, Agatha não reconheceu o marido infiel, Archie Christie, confundindo-o com seu irmão; também não reconheceu, em foto, a única filha, Rosalind Nascida em Torquay, seu primeiro contato com a arte de contar histórias se deu quando ela, ainda menina, estava de cama por causa de um resfriado. Sua mãe sugeriu que ela criasse um conto e ela gostou da brincadeira. Durante muitos anos se divertiu bolando tramas melancólicas em que a maioria dos personagens morria. Continuou escrevendo incentivada por Eden Phillpotts (1862-1960), um teatrólogo amigo da família.

Aos 30 anos, a autora publicou seu primeiro livro, "O Misterioso Caso de Styles". O romance havia sido escrito anos antes da edição, logo depois de Agatha ter servido na Primeira Guerra como enfermeira. Nele, criou um de seus personagens mais conhecidos, Hercule Poirot. O detetive belga, baixinho e bigodudo, tornou-se o mais famoso protagonista de policiais ao lado de Sherlock Holmes. Agatha também criou a vitoriana velhinha Miss Marple. Ambos tinham características e métodos distintos, mas resolviam dezenas de casos - algumas vezes com a ajuda de personagens secundários recorrentes, como a escritora Ariadne Oliver e o fiel amigo de Poirot, Capitão Hastings.

Em 1926, Agatha Christie lançou sua obra-prima, "O Assassinato de Roger Ackroyd", o mesmo ano em que desapareceu. O livro foi um sucesso estrondoso, mas aquele ano não foi dos mais felizes para a autora, quando ela desapareceu por 11 dias. Sua obra, recheada de enigmas como esse que Agatha protagonizou na vida real, deve permanecer no patrimônio cultural internacional como verdadeiro testemunho da extraordinária capacidade humana nos domínios da ficção, do raciocínio e do conhecimento da psicologia do comportamento. Agatha deixou títulos diversos, nos quais desenha um retrato imperecível de uma época e de um modo de encarar os conflitos fundamentais da vida.

Fonte: http://www.livrariadocrime.com.br/?secao=noticia&cd_noticia=350


Enviado à mailing por Diego em 02-12-2006