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Libra esterlina de Jane Austen a J.K.Rowling

Terça, 17 de outubro de 2006, 07h56
Antonio Luiz Monteiro Coelho da Costa

Apesar da estabilização do guinéu por Isaac Newton em 252 d, continuava-se a contabilizar somas usando a velha libra esterlina de 240 d. A coexistência de duas unidades monetárias diferentes acabou mostrando-se desnecessariamente confusa, mesmo para os britânicos. Em 1817, uma nova reforma monetária aboliu o guinéu e o substituiu por uma nova moeda de ouro de 7,9881 g de 22 quilates valendo novamente 240 d, ou seja, uma libra esterlina e conhecida também como sovereign (soberano). Foram também cunhadas novas moedas de prata, dessa vez com um conteúdo de metal menor, para incentivar seu uso de forma que o penny passou a corresponder a apenas 1/792 libras de prata esterlina (0,4713 g). Em 1849, foi introduzida uma moeda de prata chamada florin (florim) valendo 1/10 de libra ou 2 shillings, visando preparar a introdução de um sistema decimal, mas o projeto não foi além disso.

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De 1817 a 1913, a libra esterlina manteve-se estável e passou a ser a principal moeda nas transações internacionais, valendo 4 crowns, 20 shillings ou 240 pence. Apesar disso, manteve-se, por tradição ou esnobismo, o hábito de referir-se a uma soma de 1,05 libras (21 shillings ou 252 pence) como "guinéu". Preço de artigos de luxo com jóias e carruagens, bem como apostas em cassinos chiques se expressavam (às vezes ainda se expressam) em guinéus e não em libras.

Além de ser a moeda de maior valor unitário do mundo, seu poder aquisitivo, mesmo reduzido em 90% desde a Idade Média, era impressionante pelos padrões de hoje. Uma libra comprava um terno completo. Com uma renda de 50 a 60 libras mensais, um profissional liberal em ascensão podia sustentar com conforto uma família de quatro pessoas, pagar duas domésticas em período integral e ainda fazer seguros e poupança. Os operários descritos por Karl Marx em O Capital conseguiam sobreviver, ainda que mal, com três shillings por dia de trabalho de dez horas, menos de uma libra por semana ou quatro por mês - um poder aquisitivo comparável ao do salário mínimo brasileiro de hoje.

Depois de 1913, as enormes despesas do Reino Unido com a I Guerra Mundial desequilibraram de tal forma o orçamento que foi preciso suspender a conversibilidade em ouro, o que fez as moedas de ouro desaparecerem da circulação. Como outros países, teve de pagá-las com papel-moeda sem garantir a conversibilidade em ouro. Era politicamente impossível impor explicitamente impostos com a dimensão e a rapidez exigida pelas circunstâncias. O resultado, como a teoria econômica previa, foi uma forte elevação dos preços: 120% no Reino Unido, 192% na França, 350% na Alemanha e 75% até mesmo nos Estados Unidos, apesar deste país ter-se envolvido na guerra apenas à distância e na sua última fase.

Os economistas que representavam o capital financeiro insistiram que não se deveria permitir a transformação do aumento de preços decorrente da guerra em inflação, isto é, em aumento permanente. Exigiram que não só que os governos restaurassem a conversibilidade das moedas, como também que o fizessem aos níveis anteriores à guerra. Em outras palavras, que promovessem uma violenta deflação (revalorização do dinheiro ou queda geral dos preços de mercadorias) à custa dos devedores. O maior deles era o governo da Alemanha, ao qual havia sido imposto o pagamento de uma indenização gigantesca. Não se davam conta das conseqüências políticas da mudança do cenário: o exemplo da revolução bolchevique na Rússia (e, em menor grau, também o da revolução nacionalista no México) assustava a burguesia e inspirava a esquerda radical em todo o mundo. Nem entendiam que a Alemanha não poderia ficar eternamente agrilhoada a uma dívida impagável.

Os países mais ricos - EUA, Reino Unido - tentaram realmente atender às exigências do capital financeiro nos anos 20 e a maioria dos demais, incluindo França e Brasil, tentaram restabelecer algum tipo de padrão-ouro, ainda que a uma taxa de conversão mais baixa do que antes da guerra, isto é, reconhecendo como irreversível a inflação do tempo de guerra e a resultante da deterioração econômica do pós-guerra. Na Alemanha, caso mais extremo, a hiperinflação elevou os preços em trilhões de vezes. Ela resultou da decisão do governo de imprimir dinheiro para pagar os salários dos trabalhadores alemães da região industrial do Ruhr que faziam greve contra a ocupação francesa.

O novo padrão-ouro internacional, porém, durou apenas seis anos, de 1925 a 1931, quando o próprio Reino Unido o abandonou. Foi adotado principalmente por pressão dos financistas de Londres, que receavam perder não só o valor real de suas reservas como sua credibilidade a longo prazo se a libra esterlina não voltasse a ser conversível segundo o padrão anterior à guerra. Porém, a falta de cooperação e coordenação internacional, resultante por sua vez do acirramento da luta de classes dentro de cada país, rapidamente inviabilizaram a tentativa. Em países como a França, onde a esquerda parecia próxima de chegar ao poder, a burguesia não ousava apoiar a política financeira do Reino Unido e responsabilizar-se por uma deflação que certamente traria desemprego, estagnação econômica e a vitória política dos socialistas. Sua moeda, embora conversível em ouro, manteve-se subvalorizada em relação à libra, proporcionando vantagens competitivas ao capital francês e uma enorme acumulação de reservas de ouro.

A exceção foram os EUA, onde a inflação havia sido mais moderada, a esquerda não representava uma séria ameaça e os republicanos no poder tinham simpatias pelo conservadorismo de Churchill. O Banco Central dos EUA se dispôs a ajudar os britânicos a sair de uma crise de pagamentos baixando sua própria taxa de redesconto, mas isso ajudou a inflar em Wall Street uma vasta bolha especulativa inspirada por expectativas demasiado otimistas em relação às novas tecnologias da época (rádio, eletricidade, linhas de montagem). Em 1929, a bolha estourou e a combinação da crise da economia mais dinâmica da época com rigidez monetária generalizada puxou uma depressão mundial. Logo praticamente todos os países eram forçados a desvalorizar suas moedas, abandonar o padrão-ouro e restringir ao máximo suas importações para tentar acumular divisas, causando uma fortíssima retração do comércio internacional.

Os resultados, como se sabe, foram catastróficos para todo o mundo e contribuiriam para os eventos que levariam à II Guerra Mundial e detonariam definitivamente os padrões monetários herdados do passado. A partir de 1933, o novo governo norte-americano do democrata Franklin D. Roosevelt decidiu não só reconhecer a desvalorização do dólar em relação ao ouro, como também suspender a possibilidade de pessoas privadas converterem seu papel-moeda - o metal ficaria reservado para transações de divisas internacionais com outras nações. Na Alemanha, os efeitos catastróficos da hiperinflação (e da estabilização forçada que a sucedeu) levaram ao poder o nazismo, que simplesmente declarou extinta a dívida externa e rompeu totalmente os vínculos da moeda com o ouro. E em 1936, Keynes publicou sua Teoria Geral, que criticou a teoria quantitativa da moeda e influenciou o pensamento de toda uma nova geração de economistas em todo o mundo.

Nos anos seguintes, a II Guerra Mundial impôs aos já economicamente abalados beligerantes - principalmente ao Reino Unido e à própria Alemanha - sacrifícios ainda maiores que as da guerra anterior, que tornaram completamente fúteis as pretensões de manter a moeda estabilizada. Todos os países em guerra precisaram suspender a conversibilidade e recorrer a emissões maciças de papel-moeda para financiar os gastos militares - impondo, ao mesmo tempo, medidas de racionamento e de acompanhamento e controle de preços para limitar os efeitos inflacionários dessas emissões.

No final das contas, para alguns dos beligerantes (incluindo Alemanha, EUA e Reino Unido), a inflação de 1939-1945 foi menor que a de 1914-1918, mas o padrão-ouro nos moldes do século 19 se tornou definitivamente insustentável. Porém, contrariando os conselhos de Keynes (que defendeu a criação de uma moeda internacional independente do ouro), a nova versão norte-americana do padrão-ouro tornou-se a referência internacional. A irreversibilidade da inflação foi reconhecida, mas na medida do possível, as moedas voltaram a se vincular com o ouro (ou ao dólar, que por sua vez estava vinculado ao ouro), ao menos para efeito das transações internacionais.

A desvalorização da libra tornou-se irreversível e ela perdeu sua condição de principal moeda internacional para o dólar norte-americano. A partir da II Guerra Mundial, a inflação acentuou-se: em 1948, a tentativa de fixar o valor da libra em US$ 4,03 fracassou a moeda só se estabilizou (temporariamente) no valor de US$ 2,80.

Além disso, em 1971 os tradicionalistas britânicos acabaram jogando a toalha e aceitando a introdução do sistema decimal de pesos e medidas no lugar do velho sistema imperial. O complicado sistema antigo já havia se tornado motivo de riso no resto da Europa. Hoje, é piada até para os próprios ingleses: na série Harry Potter, os bruxinhos têm de se virar com o complicado sistema bruxo, que nada mais é que uma caricatura do antigo sistema inglês: um "galeão" de ouro vale 17 "sicles" de prata e cada "sicle" vale 29 "nuques" de bronze.

Com a decimalização, a libra esterlina deixou de valer 240 pence (simbolizados por d) para passar a ser dividida em 100 new pence (simbolizados por p). A partir de 1982, o new penny passou a se chamar simplesmente penny, continuando com o símbolo p. O que até hoje os britânicos não aceitaram foi abrir mão da velha libra esterlina para abraçar o Euro adotado por seus parceiros da União Européia. Ainda hoje, mesmo reduzida a uma mísera fração de seu valor original ela permanece como uma das moedas de mais alto valor aquisitivo e um dos últimos resquícios das glórias do velho Império.

Como essas transições e relações são confusas, julgamos útil apresentar, no caso da Inglaterra / Reino Unido, não só o valor da libra esterlina, como também os valores do penny, shilling e guinéu, para poupar cálculos. Para simplificar, a relação entre eles é a seguinte:


(*) valor no qual foi finalmente fixado; ao longo de sua existência, seu valor variou de 0,75 a 1,4 libras (160 a 336 d)

Fonte: http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI1194125-EI6585,00.html


Enviado à mailing por Naomi em 30-10-2006