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..:: O detetive perdeu o guarda-chuva ::..

Nem só de coisas desagradáveis foi a semana de Strix. Li um livro em português da Terrinha chamado "15 histórias de detetives". Tinha algumas do Conan Doyle, uma do Edgar Allan Poe e uma de uns escritores de quem nunca ouvi falar. Entre essa última categoria, li um conto que achei o máximo! É curto (2 páginas) e genial. Uma pequena pérola que compartilho com vocês, mesmo correndo o risco de os direitos autorais caírem matando. :) [Se bem que o livro é tão velho que talvez aqueles escritores já tenham ido desta para a melhor :D]


O detetive perdeu o guarda-chuva
Paul Cogan

Conhecem Sherlock Holmes, Hercule Poirot e James Bond. Pois bem, fiquem sabendo que estes senhores, comparados com César Coupatout, não passam de meros aprendizes. É certo que, num primeiro contato, César Coupatout nada apresenta de verdadeiramente notável, a não ser uma propensão um tanto excessiva para nos agarrar pelo botão do casaco e sacudi-lo até ele lhe ficar na mão; mas tem um método, o seu método!

Expôs-mo um dia em que fui a sua casa importuná-lo para conhecer a razão de seus numerosos sucessos.

- Evidentemente - disse-me com um sorrisinho - que não me vou pôr de gatas como esse bravo Sherlock Holmes para examinar à lupa a cor de uma partícula de tabaco, não me entrego a demonstrações de caratê como James Bond nem faço psicologia caseira como o nosso amigo Hercule Poirot! A psicologia é uma ciência inexata, o caratê é bom para espíritos sem imaginação e há já muito tempo que as partículas de tabaco nada significam. Cá o meu método é matemático: reflexão, lógica, cálculo! Nada de investigações complicadas; bastam-me um quadro preto e uma tábua de logaritmos. Quando tenho um problema a resolver, instalo-me aqui sem bulir. Algumas horas de reflexão, e a solução, impondo-se através dos cálculos, surge de repente. É infalível! - Negligentemente, deitou fora o segundo botão do meu casaco, que acabava de arrancar, e concluiu: - Por esse motivo, fui encarregado de descobrir as jóias da viscondessa de Vauricourt. Esta amável senhora desejava uma investigação no local. Não a quis contrariar, mas era uma formalidade perfeitamente inútil. Vou reflectir e... - De repente calou-se e lançou um olhar inquieto ao bengaleiro. - Com trinta diabos! Esqueci-me do guarda-chuva!

A sua segunda particularidade era arrastar consigo, estivesse o tempo que estivesse, um enorme guarda-chuva preto.

- Encontrá-lo-á com facilidade - disse eu, gracejando - um detective como o senhor...

- Evidentemente, evidentemente - volveu ele com um sorriso indulgente. - Não passa de um pequeno problema, todavia...

Vi que aquele incidente o contrariava e despedi-me, anunciando que voltaria.

Quando regressei, três horas depois, juncavam o chão treze folhas repletas de rabiscos; o quadro preto exibia a célebre curva em sino de Gauss e na parede estava pregado um mapa de Paris, sublinhado com grandes traços encarnados.

- Vem em boa altura - disse-me ele, sem deixar de manipular a régua de cálculo. - Vai poder julgar de visu o meu método.

- Está na pista das jóias da viscondessa? - perguntei.

- As jóias? Que jóias? O que procuro é meu guarda-chuva.

E, indicando o mapa de Paris, prosseguiu:

- Eis exactamente o trajecto que segui hoje. Saí de casa às nove horas e trinta minutos, com o guarda-chuva, e regressei às onze horas e quarenta e três, sem ele. Foi, pois, entre essas duas horas, e num ponto qualquer deste trajecto, que o perdi. Está a seguir-me?

Eu seguia-o perfeitamente. Ele continuou:

- Primeiro, é altamente provável, embora não se trate de uma verdade matemática, que não me tenha separado desse utensílio antes da minha primeira paragem. Segundo, a calçada da Avenida Raspail, que atravessei quando regressava às onze horas e quinze, está em reparação; ora, eu não notei nessa altura a diferença do terreno, com a ponta do guarda-chuva. Daí deduzo que já não o tinha. É, pois, entre este ponto que chamarei de A e aquele que chamarei de B que se tem que situar o acidente.

De repente, bateu na testa e correu ao telefone:

- Está? Serviço Meteorológico?... Fala César Coupatout... Perfeitamente, o detective. A que hora exacta choveu esta manhã no centro de Paris?... Ah! não, seja preciso, por favor... Entre as dez horas e vinte e as dez horas e trinta e cinco. Obrigado.

Voltou-se para mim, triunfante:

- Choveu e não me molhei: está a compreender-me, não está?

Agarrou na régua de cálculo e compreendi que calculava a sua velocidade média de marcha e o ponto provável onde se encontrava quando caíra o aguaceiro.

- Estou a chegar ao fim - anunciou. - Foi exactamente entre a esquina da Rua Veneau e o cimo da Avenida Raspail que perdi o guarda-chuva. A minha equação está quase estabelecida. Peço-lhe que não faça barulho: preciso de toda a minha concentração.

Durante uns bons dez minutos escreveu sem parar. Quanto a mim, mantinha-me quieto, cheio de admiração por aqueles resultados fulgurantes. Depois, o telefone tocou. César Coupatout teve um gesto de desagrado, levantou o auscultador, trocou umas breves palavras com um interlocutor desconhecido e, dirigindo-se a mim, disse:

- O meu amigo Gastão anunciou-me que o guarda-chuva está em casa dele. Eu sabia-o. Ora veja.

Estendeu-me uma folha cuja tinta estava ainda fresca e li:

“O meu guarda-chuva encontra-se na sala de espera do Gastão, onde me esqueci dele esta manhã às dez e cinqüenta e sete.”

- Pronto! - disse modestamente César Coupatout. - Agora vou ocupar-me dessas jóias. É simples, não acha?

Era simples e admirável, e eu disse-o sem rodeios. Alguns argumentarão que César teria procedido mais rapidamente se tivesse telefonado logo ao seu amigo Gastão, que era a única pessoa que tinha ido visitar; mas esses nunca compreenderão as belezas da ciência pura.

Enviado à mailing por Strix em 08-06-2006