HOME
 
Agatha Christie
 
Mailing List
 
ACBR

História
Integrantes
Textos
Projetos
Diversos
   

..:: A Casa em Judas Street ::..

6

Arnold já estendia a mão para ela..

Ah, suportaria tudo, menos o toque daquela mão úmida e balofa em sua carne.

Pegou ao acaso em algo duro, frio e pesado e pôs-se a golpear às cegas. O braço dele se levantou tarde demais. A garrafa d'água não se quebrou. Ela a recolocou com cuidado em cima da mesa e ficou a olhar a figura que gemia no tapete. Dentro de um instante estaria refeito. E aí...

Tratou de arrastar Arnold para a cozinha. Jamais sonhara que um menino tão pequeno pudesse pesar tanto.

A porta do enorme refrigerador guinchou quando ela a abriu. A temperatura gelada lhe arrepiou a pele enquanto o deitava no fundo coberto de gelo. Gastou as suas últimas forças recolocando a alavanca do fecho no lugar.

Ficou onde estava, um braço levantado, enquanto tentava chorar e não conseguia. Precisava tanto chorar! A alavanca que servia de trinco aumentou e cresceu e de repente explodiu em trevas. Miss Caymonger esparramou-se no linóleo da cozinha, perdendo os sentidos.

*

Algo a acordou. Ela se apoiou num cotovelo, sentindo o rosto dormente e o corpo todo dolorido. Arnold. O porão. Fixou os olhos na porta do refrigerador. O trinco continuava no lugar. Levantou-se a cambalear. Que ficassem os livros, as roupas, todos os seus pertences. Atravessou o hall. A porta da frente. Tinha de agir depressa, antes que eles voltassem, antes que a encontrassem.

Ali estava a maçaneta - como não a vira antes? Ali estava a corrente de segurança. Depressa, depressa...

Parou no primeiro degrau ao ver a mulher que subia. Uma figura roliça, de aspecto decidido, num casaco marrom e um incrível chapéu enfeitado de penas.

- Céus! - exclamou a mulher vendo Miss Caymonger. - Que fizeram com a senhora?

- F-fizeram? - Miss Caymonger tremia incontrolavelmente. - F-fizeram?

- Não me diga que tentaram a mesma coisa com a senhora. E caiu na esparrela? Aquele Arnold é um garoto repulsivo. Fui obrigada a colocá-lo no seu lugar. Minha cara, isso é uma quadrilha. Alugam o quarto a mulheres solteiras, fazem a gente pagar quatro meses adiantado, depois assustam a inquilina para obrigá-la a fugir. Mas creio que ainda estaria aí se meu médico não me tivesse aconselhado uma operação de emergência. Agora estou bem e vim buscar algumas coisas que deixei ao sair.

Miss Caymonger pensou em Arnold. Pensou na jarra d'água, no ruído curioso que fizera, na alavanca do refrigerador que fechara de modo tão definitivo. - A senhora... a senhora não é...

- Ora, - o sorriso da mulher era quente e cordial - eu sou Rachel Wittles, a antiga inquilina.


"A Casa em Judas Street", 1954, publicado em março de 1962 na Mistério Magazine
com o nome de "Uma Fatia de Miss Wittles"


Enviado à mailing por Lu Bertini em 19-01-2004