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..:: O Sumiço de Agatha ::..

O Dementador no Overluky Hotel

por Donald Weasley

Prólogo
O bruxo Pete Death certa vez escreveu que "Em 1926, Archibald Christie apaixonou-se por outra mulher e pediu o divórcio. Agatha simplesmente desapareceu, levando todo o país a uma busca frenética por ela, que já se tornava a escritora preferida dos ingleses. Ela foi encontrada pela polícia três semanas depois, vivendo em um pequeno hotel sob nome falso. Agatha alegou ter perdido a memória, e nunca mais mencionou o episódio".


"I have lost the will to live
Simply nothing more to give
There is nothing more for me
Need the end to set me free"

Metallica - Fade to Black

A mulher loira e magra abriu seus olhos e começou a perceber o mundo a sua volta. Ela estava em um quarto de hotel e aparentemente havia dormido vestida. Dormido? Era difícil acreditar que ela pudesse ter descansado, pois sentia todos os ossos de seu corpo doloridos. Os olhos vermelhos e lacrimejantes a muito custo podiam ser mantidos abertos. A mulher percebeu que era mais fácil olhar para o chão, por algum estranho motivo, ela se sentia mal ao tentar olhar o mundo de frente como sempre fora acostumada a fazer. Olhando para o chão, ela pelo menos pode perceber o nome do local onde estava, escrito em um tapete na entrada da porta do quarto: "Overluky Hotel".

Até para levantar daquela cama desconhecida, a mulher teria que fazer um esforço enorme. "O que estaria acontecendo?"

A luta durou cerca de dez minutos. Finalmente, ela conseguiu se erguer e se aproximar da janela. Ela estava no segundo andar de um hotelzinho no interior. A paisagem campestre mais ao fundo denunciava o amanhecer de um dia ensolarado. No entanto, ela pode notar mais coisas no clarear do dia. Por exemplo, um inconfundível carro preto da polícia que estava estacionando no pátio em frente ao hotel. Ela observou um homem alto e corpulento manobrando o veículo. Um homem grande e forte como um desses pilotos da aeronáutica inglesa...

Foi então que os olhos da mulher ficaram ainda mais pesados e a dormência aumentou insuportavelmente. Ela sentiu suas pernas fraquejarem e caiu deitada na cama, novamente inconsciente.


Tessa Neele acordou sobressaltada. Ela sentia que precisava agir rapidamente, senão meses de trabalho estariam perdidos. Ela se ergueu rapidamente da cama do quarto 212 do Overluky Hotel e correu para espiar pela janela. Um corpulento inspetor de polícia estava desembarcando de um carro recém estacionado em frente ao hotel.

"Não! Ele aqui, não! Maldito intrometido!"

O policial parecia estar relendo algumas anotações antes de entrar no hotel, mas não foi isso o que despertou a ira de Tessa Neele. A mulher ficou enraivecida ao ver que ao lado do policial também estava chegando ao local um homem baixinho, vestido em um impecável terno branco. Os sapatos do homenzinho reluziam ao brilho do sol matutino, como só reluzem os sapatos encerados com legítima cera de abelha. A cabeça do homem tinha a estranha forma de um ovo e dava para se notar de longe que tratavasse de um cidadão muito meticuloso, pois ele estava cuidadosamente removendo um fio de náilon que havia se emaranhado na perna de sua calça branca impecável.

Ao lado do estrangeiro, um inglês típico, magro e alto, parecia observar o amigo desemaranhar o fio. O inglês tinha um ar um tanto quanto aturdido. Naquele instante, o estrangeiro pareceu adivinhar que estava sendo observado, pois ergueu seus olhos em direção a janela do quarto 212. Tessa Neele pode ver os olhos verdes brilhando como os de um gato e recuou, soltando um palavrão.

- Que linguagem inapropriada para uma dama! A senhorita deveria se envergonhar! Em St. MaryMead não estamos acostumados a ouvir linguagem tão vulgar!

Tessa Neele virou-se sobressaltada. A autora da frase estava bem no meio do quarto, olhando para ela com olhos gentis, porém determinados. Tessa gritou, com desdém:

- E o que é que uma velhota que vive enfiada num vilarejo do interior pode saber da vida? Vai! Saia daqui e volte para o seu poço de água parada!

Miss Marple, a simpática velhinha, replicou de modo tranqüilo:

- Um poço, mesmo sendo de água parada, contêm muita vida. Coloque essa água sob a lente de um microscópio e você poderá ver essa vida acontecendo.

- Ah! Saia da minha frente! Tenho mais o que fazer!

"Ainda há tempo de escapar" - pensou a mulher - "basta usar a porta do quarto contíguo e sair calmamente pelo 213, enquanto revistam este quarto aqui". Pensando assim, ela se encaminhou para a saída lateral, mas nem chegou a tentar, pois quando estava chegando perto, a porta abriu-se e por ela entrou um jovem casal de mãos dadas.

- Ora, ora! Se não é o casalzinho mais feliz da Inglaterra! Me diga uma coisa, Tuppence querida. Você tem cuidado bem do seu marido? Por acaso sabe onde ele passa as noites, quando demora mais tempo para voltar para casa? Quanto tempo você acha que o "amor eterno" dura, minha ingênua criança?

O casal apertou mais forte as mãos que traziam entrelaçadas e foi Tommy quem respondeu:

- Pode destilar o seu veneno a vontade, senhorita Neele, mas por esta porta, você não irá escapar!

Uma expressão de ódio apavorante chegou a deformar o rosto da fugitiva. No entanto, a urgência de sua situação não permitia que ela perdesse tempo com duelos. Era preciso pensar em um meio de se esconder rapidamente. Foi então que ela viu o baú espanhol ao lado da penteadeira. Ora, ela bem que podia se esconder nesse baú. Provavelmente, o policial, vendo a cama desarrumada, mas sem ninguém a vista no quarto, pensaria que ela tinha escapado. Com um pouco de sorte...

Mas o baú já estava ocupado. Foi como se ela tivesse aberto uma caixa de surpresas, pois entre diversas fantasias carnavalescas, surgiu um homem moreno que logo se ergueu, encarando a mulher. Um estranho jogo de luzes provocado pela luz do sol matinal batendo na janela fez a face do homem moreno ficar multicolorida, como a de um arlequim.

- ARGGGGGGGHHHHHHHHHH! - gritou Tessa Neele. - Nem diga nada! Me deixem em Paz!

E dizendo isso, ela correu em direção a porta do quarto. Sua última chance era tentar fugir pela porta da frente mesmo, apostando que o corpulento policial não conseguiria alcança-la numa corrida. No entanto, o pequeno estrangeiro e seu amigo inglês já estavam parados na entrada do quarto 212.

Tessa Neele se viu cercada por todos os lados. Sua expressão assumiu um aspecto demoníaco, preparada para a luta. Ela deitou novamente o corpo da mulher magra e loira na cama e se ergue, dessa vez em sua verdadeira e terrível forma. Com uma voz gélida e venenosa, ela lançou seu desafio:

- E então...?

Foi Hercule Poirot quem respondeu:

- Srta. Tessa Neele. Estamos reunidos aqui para elucidar um crime. Um crime incomum, tendo em vista que a vítima teve roubada toda a sua vontade de viver. Um crime hediondo, tendo em vista que a vítima está sendo mantida inconsciente há mais de duas semanas e meia, enquanto que a sua algoz foge da polícia por todos os cantos do país. Um crime cruel e sem precedentes, eu diria!

- Ela não quer acordar! Veja a idiota deitada aí nessa cama, quase sem respirar! Se ela quisesse poderia lutar contra mim, mas ela é fraca, seu imbecil! Ela prefere deixar que eu fique no comando. EU sou forte! EU farei bom uso do corpo que essa molenga não soube usar...

- Parbleu! Suas mentiras ferem meus ouvidos! No entanto, a verdade pode ser demonstrada, facilmente. A senhorita vem atacando essa mulher há meses, desde que ela perdeu a mãe. Com persistência lenta, cruel e implacável, a senhorita veio minando as forças dela, retirando a alegria e o prazer que ela sentia ao realizar qualquer coisa. Por fim, a senhorita aproveitou a oportunidade oferecida pela decepção amorosa recentemente sofrida por ela para se apoderar de seu corpo e iniciar essa fuga absurda pelo país!

Poirot parou seu discurso e encarou diretamente Tessa Neele. Os olhos do belga brilhavam mais do que nunca. Duas pedras de jade acesas:

- Mas... ela não está sozinha. Ela tem os seus patronos para defende-la. E você terá que se entregar agora, pois o jogo acabou!

E num gesto teatral, o detetive belga acrescentou:

- Rosalind precisa de sua mãe de volta!

A cartada de Poirot foi exata. Ao ouvir o nome Rosalind, Tessa Neele perdeu toda sua empáfia. Naquele momento, ela percebeu que também que em breve, perderia a ascendência sobre a mulher que estava deitada na cama, pois esta já começava a se debater em seu pesadelo, como quem está prestes a acordar.

A única opção agora era um recuo estratégico.

- Nunca! Nunca! - a face da criatura estava deformada, em uma expressão de raiva e ódio nunca vista antes. - Ninguém conseguirá me apanhar! Vocês não tem poder para isso! E na primeira oportunidade, voltarei para sugar a vida e dominar aquilo que é meu!

E dizendo isso, a criatura correu em direção ao detetive belga, que bloqueava a entrada do quarto, disposta a confrontá-lo. Poirot, porém, simplesmente fez um movimento de toureiro, se esquivando para o lado e deixando a criatura passar por ele em direção ao corredor.

Hastings gritou:

- Rápido! Ela está indo para as escadas! Vai escapar!

No entanto, logo a seguir escutou-se um barulho horrendo, de alguém despencando por uma escada. Hastings e Tommy correram até o fim do corredor para olhar. Tessa Neele havia tropeçado no alto da escada e caira rolando até embaixo. Seu corpo jazia inerte no piso do hotel. O pescoço quebrado havia deixado registrada na face morta de Tessa uma última expressão de ódio.

Hastings entrou de volta no quarto com um ar sombrio. Tuppence perguntou:

- Ela está...?

Tommy respondeu:

- Morta.

Mr. Quin aproximou-se de Poirot e comentou discretamente:

- Suponho que aquele fio de náilon...

Poirot aquiesceu com a cabeça:

- Oui... o fio de náilon...

A mulher loira começou a despertar em seu leito. Os seis personagens formaram um semi-círculo em volta da cama. Todos observavam a Dama acordar, lançando para ela olhares enternecidos. O mesmo tipo de olhar com o qual os filhos olham para suas mães, de vez em quando...


A mulher magra e loira acordou e se sentou na cama. Ela não conseguia lembrar de nada do que havia ocorrido desde que adormecera chorando na noite em que soubera que seu marido pretendia abandona-la. E agora, ela percebia que algo muito grave devia ter ocorrido, pois ela estava em um quarto de hotel e não fazia a menor idéia de onde era isso, nem mesmo, quando era isso.

Mesmo assim, ela estava estranhamente tranqüila. Parecia haver naquele quarto presenças invisíveis, como se houvessem guardiões espirituais zelando por ela. A dama se levantou, calçou seus sapatos e desceu para o saguão do hotel. Na entrada do saguão, percebeu que um homem corpulento, com toda a aparência de policial, mostrava uma foto para o porteiro do hotel. Este, olhando a foto, respondeu:

- Sim, senhor! Essa mulher está hospedada aqui, sim! Mas o nome que ela nos deu não é esse que está na foto, não senhor! Ela disse que se chama... ah! Veja ela aí! Srta. Neele, por favor, venha cá esclarecer um mal entendido...

A mulher respondeu:

- Perdão, senhor! Realmente, há um mal entendido aqui e com certeza tudo será esclarecido, mas posso lhe garantir que meu nome não é esse que o senhor citou.

E, erguendo a cabeça sem hesitar, a dama acrescentou de modo determinado:

- O meu nome é Agatha Christie. Por favor, me levem para Londres... minha filha Rosalind deve estar esperando por mim!


Escrito por Samael em 15-12-2003