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..:: O Sumiço de Agatha ::..

O Desaparecimento de Agatha - Revelação

"Emptiness is filing me
To the point of agony
Growing darkness taking dawn
I was me, but now He's gone"

Fade to Black - Metallica


Que bom ver todos reunidos aqui na biblioteca da mansão. Conforme o prometido, entreterei vocês esta noite, falando sobre o maior mistério da vida da Agatha: seu "inexplicável" desaparecimento durante três semanas no ano de 1926.

Durante este período, ela andou vagando pelo interior da Inglaterra, reaparecendo semanas depois, sem memória e hospedada em um hotel. O que pretendo esclarecer neste e-mail é o porquê dessa perda de memória. Por onde ela andou, bom, isso só Deus sabe (só Deus mesmo, lembrem-se que a própria Agatha estava desmemoriada).

A pergunta que vou responder é: o que leva uma pessoal normal (ou genial, no caso dela) a agir de modo tão estranho?

A resposta chegou até mim através de um documento "ultra-secreto", que na verdade é um livro que, apesar de escrito pela Dama do Crime, muitos poucos de seus fãs se dão ao trabalho de ler: a sua autobiografia!

Começamos a desvendar o mistério por trás do desaparecimento de Agatha ao sabermos que no início do ano de 1926 algo muito ruim aconteceu na vida da escritora:

"Foi quando subi num trem em Manchester que soube, subitamente, que mamãe morrera. Senti um frio, como se tivesse sido invadida, dos pés à cabeça, por uma frialidade mortal e então pensei: "mamãe morreu"."

Este foi o primeiro golpe que a escritora sofreu naquele ano e as conseqüências desse golpe foram muito mais extensas do que se pode imaginar. Agatha teve que abandonar o marido em Londres e se mudar para a casa que era de sua família, Ashfield. Lá, ela tinha muito trabalho a fazer: selecionar bens de família para vender, jogar fora outros tantos, enfim, cuidar da propriedade que enquanto sua mãe era viva, havia se transformado em uma espécie de depósito de relíquias da família Miller.

Foi então que ela sofreu um segundo golpe:

"O Destino desferiu-me mais um golpe, que foi a perda da companhia da minha querida amiga Carlo. Seu pai e madrasta estavam viajando na África e ela soube, repentinamente, que seu pai se achava muito doente no Quênia, e que o diagnóstico do médico fora câncer..."

Carlo era na ocasião, a melhor amiga da Agatha, aquele tipo de amiga que toda mulher tem, sabem? A "melhor amiga", a confidente, etc. Nesse ponto, Agatha já sentia que também estava doente. Em Ashfield, sem marido e sem a melhor amiga, sofrendo a dor da perda da mãe e cercada por uma mar de recordações de tempos felizes, Agatha adoeceu severamente. E, apesar de ela nada mencionar a respeito de seu posterior desaparecimento por três semanas, a Dama do Crime, com sua própria mão, revelou a chave do enigma e o nome do mal que lhe afligiu:

"Uma terrível sensação de solidão passou a se apoderar de mim. Acho que não entendi que, pela primeira vez na minha vida, estava seriamente doente. Fora sempre muito saudável e não tinha experiência de como a infelicidade, os desgostos e a estafa podem afetar a saúde física. Fiquei, porém, aflita, quando, um dia, ia assinar um cheque e não conseguia saber com que nome assiná-lo!"

Além desse episódio, Agatha ainda conta que dias depois, o seu carro não pegava e ela desatou a chorar, inconsolavelmente. Ela mesma se pergunta: por que alguém cairia em um choro compulsivo por causa de um simples carro que não liga o motor? Foi somente muitos anos mais tarde, quando uma amiga da escritora relatou para ela sintomas semelhantes (a amiga se pegou chorando porque a roupa da lavanderia não havia chegado na hora certa), foi somente nessa ocasião, que algo despertou dentro da escritora e ela aconselhou a amiga:

"Acho que você deve se cuidar; provavelmente estes são os primeiros sintomas de uma depressão nervosa. Você deve consultar o médico".

Aqui está a chave de tudo, amigos! Antes mesmo do seu divórcio, Agatha já revela que uma doença terrível a está afetando e vejam o exemplo: ela simplesmente surta e esquece o seu nome quando tem que assinar um cheque. A Dama do Crime está sofrendo de depressão.

O golpe que ela sofre a seguir é algo que eu não desejaria nem para um cachorro. "Archie" (seu marido) também tem os seus próprios problemas: ele não suporta a infelicidade, ele precisa fugir de doenças e de infelicidade ao seu redor. Agatha é bem honesta ao dividir a culpa do divórcio entre ela e Archie, inclusive chamando toda a responsabilidade para si. Afinal, diz ela, "Archie" foi esquecido e com isso abriu-se espaço para que ele sofresse outras influências.

Mas o fato é que o Sr. Archibald Christie apareceu num final de semana em Ashfield para comunicar que havia se envolvido com outra mulher e que pretendia deixar Agatha. Não havia mais possibilidade de permanecer com uma "infeliz" Agatha.

Imaginem a situação: Agatha está doente, sua doença já causou surtos nos quais ela esqueceu de assinar o próprio nome em uma folha de cheque. Perdeu a mãe, está sem o amparo da melhor amiga e agora, fica sem o marido.

Agatha pula essa parte, mas só quem não quer ver é que pode continuar míope diante destes fatos. Agatha simplesmente teve mais um surto, dessa vez muito mais violento do que simplesmente "esquecer o nome". Ela se esqueceu de quem era por completo e saiu vagando pela Inglaterra. Na autobiografia, mais dois fatos podem ser acrescentados: desde pequena ela adorava "explorar" lugares desconhecidos e também havia a ligação emocional com o seu primeiro carro, o prazer de guiá-lo e de ter liberdade para ir onde quisesse.

Deste modo, ela teve a crise mais violenta, o "auge" de sua doença, bloqueando totalmente sua mente e só sendo encontrada semanas depois. O detalhe do nome que ela preencheu no livro do hotel (o nome da amante do marido) é muito interessante para os psis analisarem: eu partucularmente acredito que, uma vez tendo apagado da memória todos os fatos referentes a quem ela era, a dama lembrou-se de assinar o nome de quem ela gostaria de ser naquele momento.

Felizmente, a Dama foi encontrada no hotel e recuperou a memória e é comovente o seu relato de como enfrentou a doença por mais um ano, tendo esperanças de que o marido reconsiderasse sua decisão antes e conceder-lhe o divórcio. Quem já passou por situações semelhantes, deve conseguir entender como é difícil lidar com a sensação de que o mundo acabou.

Uma das coisas que a Agatha escreveu que mais me tocou (porque infelizmente, eu sei como isso é), foi que durante a crise, tudo o que ela não queria era lembrar de momentos felizes do passado. E isso é verdade, pessoal. Durante a depressão, recordar de coisas boas do passado só faz a realidade do presente ficar muito mais fria e dura. Basta dizer que a nossa escritora pensou inclusive em acabar com o sofrimento de uma vez, pela via-expressa. Death Greets me warm, now I will just say good-bye (Fade To Black - Metallica).

Esclarecido o mistério, quero aproveitar que ninguém está lendo este enorme e-mail e falar sobre mais um detalhe fantástico. Algo que me fez ver a Dama do Crime não só como uma escritora genial, mas também como um ser humano fantástico, uma mulher digna de toda a minha admiração e meu respeito. O detalhe é Rosalind.

Rosalind era uma criança de pouco mais de seis anos quando tudo aquilo ocorreu. Agatha não estava propriamente só em Ashfield, quando a depressão a atingiu. Rosalind, sua única filha, estava lá com ela. Vejam o comentário da escritora:

"Tinha Rosalind, é certo, evidentemente, porém, não podia dizer-lhe nada que a afligisse ou falar-lhe de desgostos ou de preocupações ou de doenças. Ela se sentia particularmente feliz, apreciando muitíssimo sua estada em Ashfield, como sempre - e ajudando-me muito em meus afazeres. Gostava de carregar coisas pelas escadas abaixo e joga-las no caixote do lixo e, por vezes, escolhendo algo para ela: "acho que ninguém vai querer isso aqui, acho que vou guardar".

Agatha, uma Mãe de Verdade, deixa claro que em nenhum momento esqueceu Rosalind. A felicidade da filha é sempre colocada em primeiro plano. Todo o processo decisório envolvendo o divórcio e sua posterior união com Max Mallowan (o segundo marido) foi ponderado levando em conta um fator: "isso será bom para Rosalind?"

A história da crise da Agatha acaba com uma longa viagem, que ela precisava fazer imediatamente após ter concedido o divórcio para o "Archie". Ela precisava fugir das recordações, fugir de Ashfield e de Londres, por um tempo, até que a dor passasse. E Rosalind? Onde ficou? Ora, mas que pergunta! Rosalind foi junto com a sua mãe na viagem. E Carlo, a melhor amiga, foi junto também! E elas voltaram, Agatha conheceu outro homem, muito melhor que o fujão anterior, e nunca mais teve nenhuma recaída. Literalmente, eles viveram felizes para sempre! :-)

"So close no matter how far
couldn't be much more from the heart
forever trusting who we are
and nothing else matters"

Metallica - Nothing Else Matters


Bônus Pack: Agatha também sofreu bloqueio de escritora quando sua mãe morreu. Ao se recuperar do divórcio, ela ainda nada conseguia escrever. Recomendaram então que ela juntasse as pressas algumas novelas antigas e fizesse um livro para ganhar um dinheiro... ela fez isso, mal se dando conta do que escrevia. O resultado foi "Os Quatro Grandes". Conforme eu sempre suspeitei: eis aí a explicação para a "amarração" precária do livro e seu final um tanto quanto abrupto. No entanto, tanto eu quanto a Agatha nos surpreendemos favoravelmente com o sucesso que o livro fez. :-)


Escrito por Samael em 06-10-2003