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"Bolivian News - Diário de Bordo"
CAPÍTULO 4 - O Trem da Morte - Dia 2


Wednesday, September 17th, 2003 - Ainda no trem...

Graças a Deus, pelo menos o café ainda nao tinha acabado. Ainda, pois acabaria logo depois, uma meia hora mais ou menos. Por volta da meia noite, nao havia mais água, nem café, nem coca-cola, nem nada, líquido ou sólido, a disposicao. Ainda bem que estávamos na melhor das classes, caso contrário cheguaria a pesar que talvez tivéssemos que pagar algo para continuar no trem.Os funcionários da cantina disseram que seria abastecido na próxima parada, Deus sabe quando e onde.

Deixem-me descrever o maravilhoso MENU do nosso vagao. Apesar do carro chamar-se Super Pullman, o primeiro lanche veio servido num pao de forma duro que nem pedra, recheado com algo que reconheci vagamente sendo frango, com pedaços de pimentao(?) e tomate(?), num indecifrável recheio. Um autentico “pao com Epa”, daqueles que se olha e exclama: “Eepa!”. Esse primeiro lanchinho veio servido com café meia hora depois da saída. Apesar de nossa passagem incluir tres “refeiçoes”, tudo o que quisessemos deveria ser pago à parte, inclusive a água. À noite foi servido o jantar (por sorte exatamente quando estava sendado no carro-boteco conversando com a Therese, e fomas as primeiras cobaias!), que consistia em arroz com legumes, tipo yakimeshi (mas beeeem diferente!), desenformado em potinhos de gelatina, manja, aqueles quadradinhos? Um luxo. Frango ensopado com pimentao e tomate, que por um momento jurei serem irmaos daqueles que estavam no lanche da tarde, mas nao alimentei a idéia por uma questao de fome. E meio ovo cozido, com um copo de coca-cola. Como o pedaço de frango era farto, foi o suficiente. Uma boa refeiçao. Na manha seguinte seria servida a última refeiçao, um sanduíche de zoiúdo, com alface e tomate (desta vez os primos) num “pan de hamburguesa”, com uma chávena de café quente. Ha, vale a pena ressaltar que todo café servido no trem era Nescafé Tradiçao Instantaneo, para deleite de todos.

E bien, percebendo a cara de “queremos dormir” dos funcionarios da cantina (e descobrimos que eles dormiam ali mesmo, nas mesas e poltronas da cantina) tomamos uma xícara de semancol e resolvemos voltar para nosso assentos e deleitar-nos com outro filme: “Gladiator”. Imediatamente pensei que, se o último nao tinha fim, imagina esse que tem mais de 3 horas. Seria perda de tempo total. Porém, tive que morder a língua ao perceber que o filme havia sido copiado de um DVD dublado em espanhol, em velocidade “EP” (ou “SLP”), e o filme passou até o fim. Menos mal, se retrataram da última bola fora.

Thursday, September 18th, 2003 - E haja trem...

O assustador era, nesse vai e vem todo, passar pelo vagao que separava o nosso vagao do carro-bodega, e ver a cara semi iluminada da “Família Awshvitz”. Era arrepiante, imaginem: a senhora e as meninas, jah fisicamente descritas no capitulo anterior, dormindo amontoadas, com o percoço pendendo pro lado direito, parecendo terem sido executadas por algum general alemao. O papai refugiado, ao lado de seu filho de olhos esbugalhados e cabelo cor de cabelo de milho, com o cabelo todo esgarçado, olhando fixamente pra mim, como que querendo me espetar com seu “catador de feno”. Uma cena de dar medo!

Depois de ver o filme até o final, tao logo a TV foi desligada, iniciou-se o processo de dormir com um olho aberto e outro fechado. Eu estava com uma pochete que tranformei em “cinto de utilidades”, e tinha tudo o que quisesse a mao: canivete, lanterna, tesourinha, trim (um trim tem mil e uma utilidades, sabiam?), passaporte, caneta, chicletes e outros apetrechos. Ser-me-iam muito úteis, caso precisasse achar algo no meio da noite. Pelo menos refrescou (nao, até mesmo esfriou um pouco) durante a madrugada, o que tornou a viagem um pouco mais suportável. Só haveria banho Deus sabe a que horas, depois de chegar a Santa Cruz.

Durante a madrugada, por várias vezes o trem parou. Algumas para engatar a máquina, e aí tinha aquela pancada assustadora para engatar na marra. Outras, porque vinha outro trem na direçao contrária (isso mesmo, no mesmo trilho!!), e era necessário descer, engatar um desvio, deixar o trem passar pelo desvio, desengatar esse desvio e continuar viagem. Nao era raros os momentos em que se ouvia um apito ao longe, e colocando a cabeça pra fora da janela, via-se a luz do outro trem se aproximando-se. Lembram-se do choque dos trens em “O Pacificador”. Por várias vezes tive a impressao de que estava em um deles.

Alternando momentos de semi-sono e semi-consciencia, despertei em definitivo perto das 06:00 AM, com a boca seca e cospindo tijolo. Aquela altura a quantidade de poeira no ar já se sentia bem forte. Minha camisa pólo, dantes branca, ja se mostrava em lindas tonalidades de “encardido” e “encardido escuro”, que davam um lindo contraste com a falta de banho. E o dia começaria quente, senhoras e senhores, podem acreditar em mim.

Por volta das 07:00, minhas amigas acordaram e fomos ao carro-cantina para tomar um cafezinho. Sim, já haviam abastecido. E, novamente por sorte, nos sentamos exatamente quando iniciariam a servir o café (aquele pao com zoiído de que falei antes). Digo sorte porque estávamos ocupando os primeiros assentos do primeiro vagao, e pela ordem de chamada (de trás para a frente), normalmente seríamos os últimos a tomar café, como teria acontecido no jantar também.

Depois de um belo Nescafé, uma visita ao meu amigo o-vaso-sem-fundo, lavei o rosto (dá pra imaginar a cor da água que saiu?), e voltei ao meu assento. Como tinha uma janela vazia na frente, saquei “Convite para um Homicídio” e acabei de ler as últimas cento e poucas páginas que faltavam, em algumas horas que, com o auxílio de lady Agatha Christie, acabaram passando mais rápido do que eu esperava. É impressao minha ou as horas sempre passam mais lentamente quando se quer acabar logo com alguma coisa? O fato é que, dessa janela, tive uma visao muito agradavel da paisagem boliviana, já nos arredores de Santa Cruz de La Sierra. Apenas o pó era muito, mas muito incomodo mesmo! Cheguei a pensar que talvez essa camisa nao tivesse mais salvaçao, dado o seu estado lamentável. Só de sacanagem, exatamente quando estava com uma sensaçao maravilhosa de cuspir tijolo, o trem atravessava uma olaria, onde se viam centenas de tijosos frescos enfileirados esperando o sol da manha para secarem.

Eu poderia fazer um bico lá, se fosse o caso. Já tinha cuspido vários. Um muro me separava do resto do trem.

Pois bem, passados mais alguns “pueblos” (povoados) e alguns tijosos depois, finalmente chagamos a Santa Cruz de La Sierra. Em poucos minutos estávamos todos na estaçao, nos despedidop e desejando boa sorte uns aos outros, e correndo para ver o que tinha sobrado de nossas malas grandes, que estavam no vagao-cafofo onde se quardava as bagagens. Só se ouvia os carregadores gritando “Propina, propina!”, pedindo uma gorjetinha para garantir a mardita do dia. Minha mala demorou, mas saiu. Inteira, pelo menos.

Logo de cara, saquei meu novíssimo celular Motorola A388 para ligar para a Lu e para minha mae, pra dar sinal de vida, e ele nao funcionou. Nao funcionou e nao funcionaria, como iria saber mais tarde, depois de tentar de tudo. Paciencia!

Alguns minutos esperando na estaçao e um jovem, chamado Miguel, apareceu, orientado a me levar até o Johrei Center Santa Cruz. E assim fizemos.

(continua mais um pouquinho, ok?)

Amanha, ou depois: a bela Santa Cruz de La Sierra

Abraços,
LEO

Enviado à mailing por Leo em 30-09-2003